Como o Evangelho chegou a Santo Angelo, RS
Pesquisando sobre o metodismo no Rio Grande do Sul, como também no que foi a Região Eclesiástica do Sul, que incluía também os Estados de Sta. Catarina e Paraná, deparei com alguns fatos um tanto quanto curiosos, que achei por bem compartilhar com os leitores.
Não temos a data exata da chegada de Da. Paula Pereira Lopes, ex-escrava, a Santo Angelo, vinda do Estado de São Paulo, onde convertera-se ao Evangelho. Deve ter sido lá pelo final dos anos 1890. Embora analfabeta, trouxe consigo sua Bíblia e seu Hinário.
Perto de onde ela passou a residir havia um menino de seus doze anos que sabia ler. Passou a convidar seus vizinhos para virem à sua casa, aos domingos, para ouvirem a leitura das Sagradas Escrituras, feita pelo menino, e que ela passava a explicar de acordo com a sua experiência cristã. Em breve formou-se um pequeno grupo de "crentes".
No final de 1901 o Rev. James Milas Terrel dava início ao trabalho metodista em Cruz Alta, onde labutou até o final de 1904. Foi quando ficou sabendo que um grupo de "crentes", em Santo Angelo, havia sido preso, por estar infringindo a lei do país. Muniu-se de uma carta do Gal. Francisco de Paula, chefe político da zona Serrana, e dirigiu-se, a cavalo, até Santo Angelo.
Pouco antes de chegar à entrada da cidade encontrou dois guardas montados a cavalo e armados com espingarda, que vigiavam os crentes, presos e obrigados a trabalhar na estrada. Os guardas o levaram até ao prefeito e este quis saber quem lhe dera autoridade para pregar. Terrel apresentou a carta do General que citava a liberdade de culto, de conformidade com a Constituição do Brasil. Terrel foi intimado a pregar, naquela noite, no salão do hotel, em cujo porão os "crentes" tinham sua prisão. Um grande número de pessoas curiosas ouviu a mensagem.
Houve uma mudança radical na mente do Prefeito e do seu irmão o Delegado de Polícia. Deram ordem para que "ainda que eles, e não o Governo Brasileiro, governassem aquela cidade, os crentes fossem liberados e os pregadores respeitados."
(Dados compilados do opúsculo: "A Vida de James Milas Terrel", de autoria do Rev. Paul E. Buyers, publicação da Junta Geral de Educação da Igreja Metodista do Brasil, 1954).
(João Nelson Betts, jan. 2009)
Aos poucos, conversando com ele e ouvindo o que diziam sobre ele os colegas de grupo, fui entendendo quem ele era e porque sabia tanto sobre o Metodismo Gaúcho. Fiquei conhecendo sua história pessoal: o último dos filhos dos missionários americanos, a esposa também filha de missionários, os pais atuantes em escolas e igrejas, o sogro edificador de templos, sua formação nos Estados Unidos, sua atuação pastoral e institucional. Passei a perceber a dimensão do indivíduo e a importância de sua presença no Grupo. Seus familiares, amigos, conhecidos e companheiros de trabalho eram aquelas pessoas cujos nomes líamos ao compulsar os documentos do passado.
Posso dizer que tive a felicidade de partilhar do convívio dele nesses encontros. As vezes, conversávamos em inglês antes ou depois das reuniões. Pude formular a ele algumas questões que me intrigavam a respeito do meu próprio projeto pessoal de pesquisa, dúvidas que a leitura de fontes escritas não esclarecia, e nunca deixei de receber alguma consideração ou dado que permitisse pensar mais além. Através dele, por exemplo, fiquei sabendo do acordo estabelecido no início do século XX entre a lgreja Metodista e a lgreja Episcopal, no sentido de dividir o Rio Grande do Sul em esferas de atuação, com base em um eixo imaginário leste-oeste que passava pela cidade de Santa Maria: ao norte dessa linha, seria um campo de trabalho a ser ocupado preferencialmente pelos metodistas; ao sul, seria a área de atuação episcopal.
Com o tempo, pelas naturais dificuldades decorrentes do avanço da idade, a presença do Reverendo Betts nas nossas reuniões passou a ser menos frequente.
lsso não impediu que, em 2019, por iniciativa do Grupo, ele tenha recebido o título de Doutor Honoris Causa, em tocante cerimónia realizada no Auditório Oscar Machado do lPA.
O texto lido na ocasião por Edgar Zanini Timm, colega do GPHMRS, abre a segunda parte desta coletânea.
Nosso afastamento foi maior a partir de 2020, quando, em razão da pandemia de COVlD-19, os encontros presenciais cessaram. No entanto, o GPHMRS sempre esteve atento a comemoração de efemérides, e tínhamos em mente que o ano de 2022 era o do centenário do Reverendo. Nesse contexto, fui encarregado pelo Grupo de organizar um escrito comemorativo, uma obra coletiva em homenagem aos seus cem anos de vida. Nesse ínterim, em julho de 2022, ele faleceu, o que somente reforçou a necessidade da realização da homenagem.